sexta-feira, julho 15, 2005

Branco no Preto


Tropeço no último degrau e amparo-me ao corrimão desajeitadamente.
- Malditos atacadores – disse praguejando entre dentes enquanto fazia cumprimentos de cabeça ao longo do corredor. Horas acumuladas de noites mal passadas tornam os movimentos trôpegos, sinto-me em hipnose como que algo no vácuo me captasse a atenção. Um chamamento transcendental ou um simples adormecimento do cérebro? Não sei… mas fazia-me sentir mais calma, serena.
Um berro aos ouvidos fez-me estremecer. Cerrei os punhos para acalmar os batimentos cardíacos. Voltei-me e sorri sarcasticamente. Coloquei a mão sobre o ombro, abanei levemente a cabeça e disse num tom reprovador:
- Manel, Manel… não tens mais nada com que te entreter? Olha, pega e traz-me um café! – estendendo-lhe uma moeda.
Sento-me num canto do bar de maneira a que me permitisse alargar o campo de visão, e acendo um cigarro. Ao expelir o fumo, tive a terrível sensação de me sentir observada. Olhei pelo canto do olho e girei lentamente a cabeça. A quatro passos de mim estava um homem de vestimenta verde, calvo da idade, baixo, com expressão de denúncia. Suspirei enquanto me levantava. “Será que estes seguranças não são pagos para mais nada? Uma pessoa a querer fumar descansada!...”
O Manel trouxe-me o café às escadas à entrada do bar e acompanhou-me no cigarro:
- Que é feito de ti? Já não te via há mais de uma semana!
- Entrei em férias mais cedo – disse desviando-me das pessoas que subiam e desciam constantemente os degraus – Naa, nada disso. ‘Tou farta disto pá! Estou no 1º ano e já cansei de ouvir as mesmas conversas, ver as pessoas exactamente no mesmo sítio onde as deixei no dia anterior, não é que não goste, mas não tenho feitio para isto. A rotina mata-me! Sinto-me a esbater, a perder a minha autenticidade… – ele anui olhando para um ponto fixamente como se estivesse a formular juízos em relação ao que foi dito – mas a vida tem destas coisas, não é tudo um mar de rosas e, no fundo, ainda bem que não é, porque caso contrário o sabor no final não era o mesmo.
Ficámos calados durante uns segundos. A teoria é muito bonita, mas é necessário ter a coragem de passar de palavras a actos, saltar o enorme fosso entre a teoria e a practica. Decerto que pensámos no mesmo.
A conversa terminou quando me fiz acompanhar do resto da turma pois, a meio do ano, ainda não sabia as salas.
Escolho um lugar escondido, protegida dos olhares sempre atentos e recriminadores do professor. Mentiria se dissesse que sou uma alma passiva dentro de uma sala de aula, muito pelo contrário. Mas há dias em que, em vez de regressar a casa com o caderno repleto de apontamentos, trago folhas soltas com pensamentos do dia, cartas para amigos da outra ponta do país, bonecos de secundário (ursos no meio das nuvens, caricaturas de professores, preservativos com olhos, enfim).
Saio finalmente da faculdade em direcção ao metro. Um sol abrasador chicoteia-me os braços violentamente enquanto digo uns quantos “até amanha”, pensando “sim, também a mim me apetecia desaparecer”.
Entro numa das muitas carruagens, sento-me e medito sobre o meu desenquadramento em relação à cidade, mediante uma visão quase utópica de uma outra situada nos sítios mais recônditos do país. O crescimento demasiado repentino a que me vi sujeita atormenta-me cada vez mais. Idade da irreverência, das noites seguidas sem parar em casa, dos longos serões com amigos até o amanhecer, das bebedeiras consecutivas, das barbaridades que se dizem mas não me preocupando com o efeito pois as pessoas que me rodeiam sabem como sou e daquilo que sou capaz, da irresponsabilidade e inconsciência do resto do mundo como se cada dia fosse melhor que o anterior, a despreocupação pelo esforço de outrem… Fui obrigada a saltar essa fase e encarar a vida friamente, branco no preto, nunca a meias tintas. A isto vem-se lhe juntar o maior facto de todos, que me atormenta todas as noites e me sufoca diariamente. Um facto que me dá trunfos para aguentar e transformar apenas a minha revolta em lágrimas. Um facto personificado antes por uma sombra errante e que se materializou finalmente... mais consistente do que nunca.
Toda esta mudança permitiu-me ver o mundo acima do nevoeiro onde, lá em baixo, andam as apalpadelas, não vendo um palmo à frente do próprio nariz, chocando uns com os outros como baratas tontas, cegos.
Este fio de pensamento decorreu durante toda a viagem e, quando estava já a encaixar os dentes da chave na fechadura da porta de casa, suscitou-me a necessidade de recorrer a uma calma paradisíaca. Fui dar a um miradouro onde se vê quase toda a cidade banhada pelo rio Tejo. Sentei-me milagrosamente numa mesa vazia, na esplanada mesmo em frente à gigantesca varanda que dava para os telhados lisboetas. Turistas de todas as nacionalidades tiram fotos consecutivamente, comentando a paisagem e contarem o pouco que sabem sobre a História da cidade. Peço um fino a um sujeito que passava nas proximidades de bandeja. O sol espreita por entre a densa ramagem das árvores centenárias, deixando-me inebriada.
O telemóvel toca:
- ‘Tou?
- Tas aonde?
- Vim dar uma volta. Porquê?
- É para te relembrar que temos um trabalho para entregar depois de amanhã e que convinha que te aplicasses! – disse num tom insatisfeito e desagradado.
- Ok, ‘tá bem! Vou já para casa e trato disso! – disse intervalando com um suspiro – ok, ok, ‘té’manhã! Adeus…Paguei o fino e galguei a rua sinuosa e interminável de regresso a casa cantarolando o “I Believe I Can fly” entredentes.

segunda-feira, julho 11, 2005

As passagens mais marcantes

A vocês nunca vos deu para fixar frases com as quais se identificaram à primeira passagem? Frases que lemos e que, muitas vezes, nos levam a puxar de uma folha e de um lápis, trancrevê-la e pô-las no quadro de cortiça e surpreendermo-nos mais ainda cada vez que olhamos para lá e pensar: "como é que é possivel, transpôr uma ideia tão clara e linear, tão verdadeira, em meras figuras alfabéticas, formas verbais, recursos estilísticos e figuras de estilo...". Afirmo cada vez com mais convicção que o melhor que me pôde acontecer foi sem dúvida aprender a escrever!



Escrever, para mim, é resistir à força obscura e obstinada da conformação: um acto físico: gosto de, tenho prazer em ver as palavras a desenhar-se no papel, uso caneta de tinta permanente, parece sangue...

Baptista-Bastos



Não escrevo para ninguém, talvez, talvez: e escreverei sequer para mim? (...) Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.

Vergílio Ferreira



As palavras são a nossa condenação. Com palavras se ama, com palavras se odeia. (...) Quanto a mim, gosto das palavras que sabem a terra, a água, aos frutos de fogo do Verão, aos barcos no vento; gosto das palavras lisas como seixos, rugosas como pão de centeio. Palavras que cheiram a feno e a poeira, a barro e a limão, a resina e a sol.

Eugénio de Andrade



Amor à Pátria:

Para poder partir teria de meter no bornal o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e as vogais da língua. Sou um prisioneiro irremediável numa penitenciária de valores tão entranhados na minha fisiologia que, longe deles, seria um cadáver a respirar.

Miguel Torga

domingo, julho 10, 2005

Ainda dizem que o crime não compensa

Acho que depois de vermos estas imagens, imaginamos o que é preciso fazer cá fora para passar por tamanha atrocidade... é, sem dúvida, desumano! Não haja dúvida que se arrependerão dos crimes que cometeram! E viva o poder monetário!!







(Esta não comento)









Em jeito de conclusão, já dizia um português e com razão: "Lá fora 'ta-se pior, 'ta-se, 'tá-se!"...